Clube da Gurizadinha falando sobre: depressão na infância
Quando se ouve a palavra depressão, logo se imagina uma pessoa adulta, isolada, triste, fechada em seu próprio mundo. Entretanto, a depressão não ocorre somente entre adultos. É uma triste realidade, mas ela acomete também as crianças e se expande em proporções gigantescas.
As pessoas ainda têm muita dificuldade em aceitar um quadro de depressão infantil. No entanto, essa realidade existe, é desagradável, e precisamos falar sobre ela. Segundo dados de pesquisas recentes, 1 criança em cada 100 e 1 adolescente em cada 33 sofrem de depressão. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que o índice mundial de crianças de 6 a 12 anos de idade diagnosticadas com depressão saltou de 4,5% para 8% na última década. Esses números podem ser ainda maiores, pois em muitos casos são confundidos com o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
Há muitas especulações, questionamentos e opiniões diversas sobre a ocorrência de depressão na infância, de modo especial nos primeiros anos de vida. Contudo, por volta de 1945, essa realidade passa a ser comprovada, através de uma pesquisa realizada em um orfanato.
A pesquisa com a devida comprovação vem pelo pesquisador, psiquiatra e psicanalista René Spitz, um psicanalista austro-americano que trabalhava como psiquiatra no Hospital Monte Sinai e como professor em várias universidades nos Estados Unidos. Sua descoberta impactou a comunidade científica e houve a comprovação da depressão em bebês, cunhando o termo depressão anaclítica.
Essa depressão provém da relação do bebê com a mãe. Isso porque o bebê, ao chegar ao mundo, ainda está muito ligado à sua mãe. O que ele conhece do mundo onde chega é o cheiro da mãe, sua voz, seu corpo. Conforme Dolto (1998), ao nascer, o bebê deixa toda a vida que viveu até então. Sua placenta, parte do cordão umbilical, fica tudo com a mãe, e a mãe também guarda as memórias do período de gestação.
O bebê, por sua vez, não leva nada. A partir do nascimento, vão-se intercalando momentos de aproximação e distanciamento com o corpo da mãe, de modo especial através da mama, da troca de fraldas, enfim, dos cuidados. Se o bebê se assusta com alguma coisa ou possui fome, frio, ocasiona uma aproximação com seu cuidador. Assim, o corpo da mãe está novamente próximo. Não apenas o seu corpo, mas acima de tudo o olhar da mãe, que vai dando significado à existência do bebê. Esses momentos de afastamento da mãe são sentidos como solidão pelo bebê. No entanto, se esse tempo é muito prolongado ou de pouca qualidade, pode levar à instalação de um quadro patológico. Isso pode ocorrer porque, para o bebê, o vínculo de afeto é tão importante quanto o alimento, tendo em vista que, segundo Dolto (2013), ele também é um ser de desejos, e não apenas de necessidades.
Se ocorrer um afastamento muito prolongado da mãe, por um período superior há 3 meses - especialmente uma separação repentina –, ou se a mãe, mesmo estando presente, não for suficientemente capaz de envolver o bebê com seu olhar, com colo, de se doar ao bebê, origina-se um quadro completo de sintomas bem definidos, denominado de depressão anaclítica, já que a privação do investimento materno gera no bebê uma frustração excessiva, que ele ainda não é capaz de tolerar.
O quadro de sintomas depressivos em bebês se manifesta por meio da:
- Perda da capacidade de interagir com gestos e sorrisos;
- Distúrbios do sono e do apetite, tais como falta do apetite, dificuldades para dormir, sono agitado e, consequentemente, perda de peso;
- Apatia, com crescimento e desenvolvimento muito demorados.
É importante esclarecer que, quando se diz “mãe”, na psicanálise, estamos nos referindo a uma função: a função materna, que, na impossibilidade de a mãe biológica exercer, pode ser exercida por uma “mãe substituta”, já que o que importa é que seja feito o investimento afetivo necessário.
Já nas crianças maiores, a depressão se dá de modo um pouco diferente do que em bebês. Por já ter um pouco mais de autonomia pessoal, a criança com mais idade já dispõe de uma maior interação com o meio, brinca, come com a própria mão, toma banho sozinha e vai à escola.
Embora no quadro anterior haja as falhas de vínculo (base estrutural e afetiva de bebês, crianças e adultos), em crianças maiores, o quadro de depressão - também chamado de transtorno do humor - se apresenta de modo sutil, e, muitas vezes, os pais nem percebem.
Os especificadores mais comuns nesse quadro são:
- Fisiológicos: distúrbio alimentar, com perda do apetite ou alimentação em excesso, distúrbios do sono, com quadros de insônia ou sono agitado ou em excesso, problemas com a higiene pessoal ou com a aparência pessoal.
- Problemas de humor: tristeza ou inquietação, dificuldade para se concentrar, muita irritação e pouca tolerância.
- Inatividade: a criança pode mostrar redução de energia em atividades e desinteresse em brincar. Ao mesmo tempo, pode apresentar muita agitação, fadiga excessiva e diminuição da autoestima, isolamento social e expressões de sentimento de culpa.
É importante reforçar que emoções de tristeza, raiva e medo são importantes e servem para nos proteger. Por exemplo, a tristeza diante da perda de algo ou de alguém é fundamental para a elaboração do luto; o medo é um sinalizador de que nossa vida pode estar em risco; a raiva é importante para reagirmos diante de situações desagradáveis que nos ferem a alegria. Essas emoções são fundamentais para nossas relações em geral, elas só precisam ser bem conduzidas, ou seja, deve-se saber como agir adequadamente com cada uma delas.
O que deve ser observado é: como surgem, o tempo de duração (um quadro de irritação ou de tristeza superior a 15 dias merece uma investigação por um profissional), bem como o fato de que não é um sintoma isolado que dará a confirmação do diagnóstico, sendo necessária a presença de, no mínimo, dois sintomas.
Os fatores responsáveis pelos distúrbios de humor são vários, como:
- Desajuste familiar, discussão e desrespeito entre os pais, falta de harmonia no lar;
- Pais deprimidos, que não interagem com os filhos;
- Inversão nas relações, em que os filhos têm que ser mais responsáveis do que os próprios pais: pais imaturos emocionalmente;
- Falta de uma rotina para a criança, com horários pré-estabelecidos.
Falar sobre as patologias que acometem as crianças não é algo prazeroso, porém, é necessário.
As pesquisas realizadas nessa área já mostram muitos avanços, como por exemplo quando a mãe precisa se ausentar por um tempo mais prolongado. Em outras situações, casos de internações hospitalares, se for a criança internada, a mãe pode e deve ficar presente. No caso de a mãe precisar se internar, deve deixar com o bebê uma roupa sua para que a criança possa sentir o cheiro de sua mãe, para que não haja uma brusca ruptura no vínculo. Outra conquista é o direito à licença maternidade, para a mãe permanecer com o bebê nos primeiros meses de vida. Também no meio social, as campanhas de conscientização da importância da saúde emocional, como por exemplo o Setembro Amarelo, que é uma campanha dedicada à prevenção do suicídio, e o Janeiro Branco, cuja campanha objetiva mobilizar a sociedade em favor da saúde mental. Enfim, já temos alguns avanços, mas não é o suficiente.
As famílias precisam ser orientadas, e muitas delas necessitam de um apoio emocional para lidar com o novo, que são as questões delicadas como a gestação, a chegada de um bebê, as mudanças de papeis que ocorrem quando um bebê chega em uma família.
Não podemos mais seguir na negação de que não acontece depressão com crianças, pois, estando nesse quadro, elas estão sofrendo e, quanto mais cedo for tratado, mais êxito teremos quando essa pessoa estiver na vida adulta.
Referencial: DOLTO, Françoise. Seminário de psicanálise de crianças. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013.
Texto produzido por:
Psicanalista: Odete Teresinha Bittencourt
Psicanalista em formação: Carine Daniele Franke